Marina
Junho 2045
Os anos passaram e vi a cada dia que passava o meu marido adoecer mais, até chegar num ponto onde ele já não conseguia ficar em casa e precisou "se mudar" pro hospital.
Eu, obviamente me mudei junto e passei a cuidar dele aqui no hospital. As vezes eu revezava uns dias com a Bruna, mas a maior parte do tempo, quem estava com ele era eu.
Meus filhos mal conseguiam viver com medo de a qualquer momento receberem uma notícia ruim demais para ser suportada.
Luan havia feito novos exames e eu esperava ansiosa pelos resultados.
Estava escrevendo compulsivamente nossa história, quando os médicos entram no quarto. Fecho meu computador e deixo ele de lado, me levanto sentindo meu coração acelerar.
Respiro fundo tentando controlar a ansiedade e quando a notícia ruim vem, eu volto a me sentar.
- eu sinto muito, estamos fazendo o máximo pra conseguir o coração - ele tenta me tranquilizar, mas nesse momento é impossível
Meu marido tem pouco tempo de vida e agora precisa mais do que nunca de um coração.
- e se ele não conseguir um coração a tempo? - pergunto, mas já sei exatamente a resposta, o médico já me disse, não com essas palavras, mas disse
O mundo desaba aos meus pés e eu choro. Choro de medo, de raiva, de susto.
Os médicos dizem mais alguma coisa, mas não sou capaz de escutar. O mundo silenciou ao meu redor e eu simplesmente não ouço nada.
A porta do quarto volta a abrir e o Mário passa por ela junto com a Hellen e uma cesta de café nas mãos. Eles entram animados, mas quando percebem o meu estado, ignoram qualquer coisa.
Sinto o meu corpo ser abraçado pelos dois, mas o mundo continua no mudo e agora, em preto e branco.
Meu choro não cessa de jeito nenhum e a dor no meu peito, parece se tornar física e muito maior.
Tento falar, tento colocar a dor pra fora, mas não dá, eu simplesmente não consigo. Tudo o que eu quero agora é um momento de paz, sozinha.
- fica com ele? - peço ao Mario, mas não escuto sua resposta. Ele concorda com a cabeça e eu me levanto
Pego minha bolsa, a chave do meu carro e saio sem dizer nada. Praticamente corro pra fora do hospital e ao entrar no meu carro sinto o som do mundo voltar aos meus olhos.
Fico ali por alguns minutos e quando finalmente consigo parar de chorar, ligo o carro e saio dali.
Sigo pra um dos lugares que mais me dá paz. A igreja do nosso baixo. Chego bem, sem causar nenhum acidente e isso já é o bastante.
Estaciono o carro de qualquer jeito, deixo minhas coisas ali e entro na igreja de corpo e alma.
Há algumas pessoas ali, são poucas e parece que nenhuma me reconhece, mas eu não me importo se isso acontecer.
Ando por aquele corredor, sentindo o choro tomar conta de mim novamente. Me sento no primeiro banco, me ajoelho no chão e passo a pedir a Deus um milagre, um coração ao meu marido, só Deus pode me ajudar nesse momento.
- não o tira de mim Deus, por favor. Eu imploro - suplico
Converso alguns minutos com Deus e aos poucos sinto uma paz inexplicável tomar conta de mim. Deus o tem em suas mãos e fará o melhor!
Fico por mais um tempo ali e quando me sinto bem o suficiente pra me acalmar, saio da igreja e volto pro carro. Meu celular na bolsa não para de tocar, pego na mão e vejo que é o Mário que está ligando.
Mesmo sem querer, atendo a chamada, preciso tranquiliza-los.
Ligação on
- oi Mario
- oi? Oi nada Marina. Eu já te liguei quase 100 vezes e nada de você atender. Tem noção do quanto eu tô preocupado? Não, você não tem noção. Tô aqui surtando, já tava chorando com medo de que algo tivesse acontecido a você - ele desembesta a falar e me arranca um sorriso
- eu precisava de alguma minutos, me desculpa
- já faz quase duas horas que você saiu daqui - ele quase grita
- tudo isso? - pergunto e escuto ele suspirar - me desculpa, eu não deveria ter demorado tanto, mas não se preocupe, eu tô bem. Eu precisava de paz e o único lugar que poderia me dar isso agora, era a igreja.
- você tá na igreja? Perto da sua casa? Fica ai, vou pegar um táxi e vou aí
- não precisa, já tô mais calma e tô voltando pro hospital
- nem a pau, conversamos com os médicos e já sabemos de tudo. Vai pra casa, toma um banho, come alguma coisa e descansa um pouco. Depois você vem
- não.. - tento continuar, mas sou interrompida
- não adianta dizer não, você vai pra casa sim. Eu e a Hellen vamos ficar aqui
- tá bom - concordo, já que não tenho outra opção
- beijinhos - ele diz e desliga na minha cara
Ligação off
Sem ter opção, sigo pra casa. Chego rápido ali e não encontro nenhum carro na garagem, sinal que estou sozinha e que meus filhos finalmente foram trabalhar.
Entro em casa e encontro a Daniela, ela é a minha nova ajudante aqui em casa.
- boa tarde Mari - ela diz assim que me vê
- boa tarde Dani, vou subir pra tomar um banho, faz alguma coisinha pra eu petiscar?
- claro que sim - ela concorda animada
- obrigada, você é um anjo - mando beijo pra ela e subo as escadas
Desde que o Luan se mudou pro hospital, raramente tomo um bom banho e já que hoje não tenho muito escolha, vou aproveitar pra fazer isso e cuidar um pouco de mim. Preciso estar bem, pra cuidar do Luan da melhor maneira.
Meu banho é demorado, cuido da minha pele, do meu rosto, do meu cabelo e parece que lavei a minha alma.
Ao sair do banheiro, escolho uma roupa confortável e me arrumo. Aproveito pra arrumar uma outra bolsa com roupas pra mim e roupas pro Luan. Deixo tudo em cima da minha cama e desço as escadas.
A mesa está posta e com muitas coisas gostosas. Dani sorri pra mim e eu retribuo.
- sabe que não precisava de tanto né? - afirmo e ela concorda
- eu sei, mas eu tô vendo que você tá preocupada com alguma coisa e também reparei que você emagreceu muito, então come, porque tenho certeza que você não anda comendo direito
- obrigada por tudo isso Dani. Tô preocupada mesmo - tento sorrir, mas não consigo - Luan fez novos exames e não tá nada bem - suspiro - ele precisa de um coração urgentemente
- ele vai conseguir, tenho certeza. Se apega com Deus, Ele vai fazer o melhor
- tô apegada com Ele Dani, na hora eu me desesperei, mas agora Deus acalmou um pouco o meu coração
- conte comigo pro que precisar tá? - ela se emociona
- conto com a sua ajuda com meus filhos
- não se preocupe, vou continuar dando o meu máximo por eles
- tenho certeza que sim
Ela sai com os olhos vermelhos pra cozinha e eu respiro fundo pra não voltar a chorar.
Como um pouco de cada coisa e quando me sinto satisfeita, ajeito a sujeira que eu fiz, mas antes que eu possa tirar tudo da mesa, Dani aparece e me impede.
Subo as escadas, desço com as bolsas que ajeitei e levo pro carro, em seguida coloco meu celular pra despertar e me deito no sofá da sala pra tirar um cochilo, não quero ficar sozinha no meu quarto, me dá saudade de ficar ali com o Luan.
[...]
O tempo de espera do Luan já está se esgotando e por enquanto nem sinal de um coração.
Eu já não aguentava mais ver a situação dele, isso nunca foi pra ele, nem de dormir ele gostava muito, era sempre ligadão em tudo.
Eu não entendia bem porque isso tudo, porque ele. Eu questionava a Deus, sempre, porém sempre tinha uma resposta inesperada.
- eu preciso terminar isso logo - respiro fundo
Volto a olhar o Mac na minha frente, faltava pouca coisa pra escrever, agora eu já não tinha a ajuda dele, mas eu tinha certeza que ele iria adorar tudo o que escrevi em nosso livro.
Quando aperto o botão pra digitar uma palavra o arquivo sobe até o começo de tudo e quando percebi, já estava lendo o que tinha ali.
Essa é a nossa história, tudo o que vivemos. Algumas coisas foram escritas, outras minha memória relembra. Tivemos nossos altos e baixos, nossos momentos tristes e os mais felizes também.
Me emociono com algumas coisas, dou risada de outras e quando chego no fim percebo o quanto sou sortuda por ter encontrado o Luan.
Continuo a escrever a história e quando percebo dou dois finais pra nossa história, mas o que eu mais gosto é o final feliz, onde no último segundo aparece um coração e nós ganhamos mais alguns anos com o Luan.
Quando finalmente escrevo "Fim" no esboço do livro, sinto um alívio gigantesco no meu coração, mas esse alívio dura pouco tempo. O aparelho ligado ao Luan faz um barulho altíssimo e com isso o meu coração volta a acelerar.
- o que tá acontecendo? - corro até a cama e aperto o botão pra chamar alguém
Fico desesperada e segundos depois aparece diversas pessoas na sala.
- você precisa sair - uma das enfermeiras tenta me tirar, mas eu não deixo
- o que tá acontecendo? - pergunto e ela não responde - ME FALA - grito com ela
- precisamos que saía, pra que nossa atenção fique toda no seu marido, por favor - ela tenta ser delicada e me convence
Passo a mão na mesa que eu estava, pego o meu celular e saío da sala desesperada.
Encontro o Arthur no corredor do hospital, ele está de plantão, ele se aproxima de mim e me abraça apertado.
- por favor, descobre o que aconteceu - imploro
- tá bom, fica aqui - ele me solta e entra na sala
Poucos segundos depois, ele sai e junto sai todos e o Luan em uma maca.
- o que tá acontecendo? - me desespero ainda mais
- liga pra todo mundo vim aqui - é a única coisa que o Arthur diz, antes de sair correndo com todo mundo
Ele morreu? É isso?
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